sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A farsa do texto do economista alemão que apoia Dilma
Por Mateus Maciel em 15/10/2014
Um texto de nome “Economista alemão indignado escreve 7 motivos para o Brasil reeleger Dilma”, publicado no “Plantão Brasil”, vem circulado pelas redes sociais, nos últimos dias. Muitos estão dizendo que o texto foi obra de um simpatizante do governo Dilma e que, dificilmente, um economista alemão enalteceria o Brasil, em detrimento do seu país. Contudo, vamos analisar os 7 motivos a seguir.

“Durante a crise mundial (2008-2013) a economia brasileira cresceu quase 5 vezes mais que a alemã”.
Primeiramente é interessante destacar que o economista assume que a crise mundial durou de 2008 a 2013, o que bate com os argumentos do ministro Mantega. O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e vários outros economistas, entretanto, divergem de tal visão. A declaração do ex-presidente da autoridade monetária no debate com o ministro da Fazenda corrobora isso:

“Tenho uma leitura totalmente diferente do Guido. A crise acabou em 2009. Depois, teve um período de crise na Europa, em 2011 para ser mais preciso, mas a economia mundial vem se recuperando.”

Como é possível ver no gráfico a seguir, o nível de crescimento da Alemanha (linha preta) está muito melhor do que quando estourou a Crise de 2008. Além disso, contudo, a economia brasileira (linha pontilhada azul) cresceu de fato mais do que a alemã. Segundo dados do Banco Mundial, o crescimento médio da economia brasileira, entre 2008 e 2013, foi de 5,23%, ao passo que o da Alemanha foi de 0,05%.

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Temos que levar em consideração uma série de fatores, antes de fazermos qualquer comparação. A Alemanha, apesar de ser a maior economia da Europa, possui a economia extremamente ligada a dos vizinhos, especialmente aos integrantes da zona do euro. Como a maior parte dos membros desse grupo passou a sofrer com a elevação de suas dívidas públicas e, posteriormente, com uma grave crise econômica, o crescimento alemão desacelerou.

É interessante lembrar que a crise europeia se deu pela grande elevação dos gastos públicos de países que prosperaram após a adoção do euro. O custo do welfare state europeu foi a elevação das dívidas públicas de muitos países do Velho Continente. Além disso, a redução forçada da taxa de juros feita pelo Banco Central Europeu (BCE) acabou por provocar um grande boom econômico em alguns países da zona do euro. Com isso, os bancos passaram a conceder empréstimos em massa, principalmente nos países que mais sofreram com a crise, como Grécia, Espanha e Irlanda.

Essa enorme expansão de crédito, que fez a base monetária de várias nações europeias saltarem, acabou por fazer com que os indivíduos se endividassem, bem como as empresas que passaram a fazer investimentos equivocados. Quando os calotes começaram e os bancos passaram a ter grandes perdas, a crise explodiu. Tudo isso porque o BCE estimulou a atividade econômica e os governos gastaram demais.

O Brasil, contudo, surfou a onda de grande crescimento do mundo. A China, cuja demanda por commodities era crescente, fez com que o nosso país ganhasse na loteria. Tal fato explica o lucro monstruoso da mineradora Vale, durante a gestão do ex-presidente Roger Agnelli, cuja receita se tornou profundamente dependente das encomendas dos chineses.

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Além disso, com a redução de juros por parte do FED e do BCE, o Brasil passou a ser destino de investimentos estrangeiros. Vale lembrar que, por conta das políticas de estabilização econômicas adotadas durante a década de 1990, a economia estava saudável para que os brasileiros aproveitassem essa forte onda de crescimento do mundo da melhor maneira possível.

Por mais que o governo não tivesse feito as reformas necessárias para que os efeitos de tal onda fossem mais duradouros, como a reforma trabalhista, venda de estradas, ferrovias, portos, aeroportos e etc., os níveis de emprego do país ficaram melhores. Portanto, ao passo que a Alemanha estava no olho do furacão, o Brasil havia acabado de surfar a onda de crescimento externo. É um tanto injusto comparar o desempenho econômico desses dois países, ao longo da crise europeia.

“A taxa de desemprego na Alemanha duplicou durante a crise mundial enquanto a brasileira surpreendentemente abaixou. Na Itália, por exemplo, 12.3% das pessoas estão desempregadas e na Espanha 24.5%. O atual governo brasileiro protegeu o emprego das pessoas enquanto as nações europeias protegeram o dinheiro dos bancos”.
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A linha preta mostra a taxa de desemprego da Alemanha e a linha pontilhada azul mostra o desemprego no Brasil. Como é possível notar no gráfico, de fato, o desemprego aumentou no Alemanha, durante a crise europeia, e o movimento inverso ocorreu aqui.

No Brasil, o desemprego caiu devido às políticas anticíclicas iniciadas no segundo mandato do governo Lula. Com elas, a taxa de juros foi reduzida, fazendo com que a população se endividasse cada vez mais, uma vez que os bancos passaram a conceder cada vez mais crédito aos correntistas. O estímulo ao consumo também ocorreu na área fiscal, com o governo reduzindo impostos, como o IPI. Por conta da demanda aquecida pelas políticas do governo, o desemprego caiu, o PIB cresceu fortemente, mas a inflação começou a subir.

Na Alemanha, por outro lado, não era possível adotar tais políticas. Uma forte política de corte de gastos foi iniciada pelo governo de lá, uma vez que os alemães sabem que políticas de estímulo ao consumo, no longo prazo, geram desequilíbrios na economia. Além disso, como foi dito anteriormente, a economia alemã é muito ligada a dos países europeus, que estavam em recessão.

Portanto, as medidas anticíclicas adotadas pelo governo brasileiro aumentaram o nível de emprego. Entretanto, hoje estamos pagando pelos excessos passados. A inflação está alta e o nível de emprego está ameaçado pelo endividamento das famílias e pela baixa atividade econômica. Vale ressaltar que os índices de desemprego alemão e brasileiro estão perto de 5%.

“Apesar de a Alemanha ter um bom governo, em 2014 a economia brasileira vai, de novo, crescer mais que a alemã”.
De fato, como é possível ver no primeiro gráfico, a economia brasileira irá crescer mais do que a alemã. Contudo, como diz a economista Maria da Conceição Tavares (amada pela esquerda): “ninguém come PIB!”. Para saber como anda a saúde econômica de um país, temos que analisar outros dados macroeconômicos.

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O gráfico acima analisa a inflação da Alemanha (linha preta) e do Brasil (pontilhada azul). Como é possível notar, a alemã está caindo, ao passo que a brasileira sobe. Manter os níveis de inflação controlados é primordial para a saúde de qualquer economia, uma vez que o poder de compra da moeda local é preservado. Os mais pobres, que não podem se proteger contra os aumentos de preços, são os que mais sofrem com a escalada da inflação. Do que adianta estar empregado se, ao final de todo o mês, seu dinheiro compre cada vez menos produtos?

“Durante a crise mundial (2008-2014) o IDH alemão diminuiu de 0.940 para 0.911. EUA diminuiu de 0.950 para 0.914, o espanhol de 0.949 para 0.869. Enquanto as maiores economias do mundo sofreram esses efeitos, Brasil aumentou seu IDH de 0.710 para 0.744. Ainda distante do primeiro mundo? Sim. Mas no caminho certo de ascensão”.
Segundo dados de desenvolvimento humano, das Nações Unidas, o IDH alemão em 2008 estava em 0.902 e hoje está 0.911. Logo, a informação do economista alemão de que o IDH de seu país caiu não procede. O IDH do Brasil, em 2008, era 0.731 e hoje está em 0.744.

Em relação ao movimento de queda do IDH das maiores economia do mundo, vale a pena analisarmos o crescimento das três maiores potências mundiais. O IDH dos Estados Unidos era, em 2008, 0.905 e hoje está em 0.914. O IDH chinês cresceu de 0.682 para 0.719. O do Japão cresceu de 0.881 para 0.89. Analisando os dados de outros países é possível chegar a conclusão de que o economista novamente errou. Todos esses números podem ser conferidos aqui.

“A desigualdade social cresceu em todos os países europeus enquanto diminuiu no Brasil. Continuando no mesmo caminho, em apenas 10 anos o Brasil alcançará o nível de desigualdade dos EUA”.
De fato, após a crise, a desigualdade cresceu dentro da União Europeia. Isso ocorreu por conta do esfacelamento do welfare state, que sempre demandou uma quantidade gigante de recursos (leia-se impostos). Com o endividamento dessas nações alcançando níveis insustentáveis, o bem estar social europeu se mostrou economicamente inviável.

Além disso, as políticas expansionistas praticadas pelo BCE e por governos irresponsáveis, acabaram por agravar ainda mais a situação desses países. A população está pagando pelos excessos de seus governos, com desemprego e redução de renda (especialmente aqueles que viviam mamando nas tetas do Estado).

Em relação a profecia do autor, não fui capaz de encontrar dados. Contudo, é possível comparar a qualidade de vida do pobre americano com a do brasileiro. Segundo estudo da Fundação Heritage, que utilizou dados do Censo estadunidense, dentre as famílias consideradas pobres:

“- 80% têm ar-condicionado em casa

- 92% têm forno de micro-ondas

- quase 75% têm pelo menos um carro

- mais de 60% têm TV a cabo

- mais da metade tem computador, e 43% têm acesso à internet

- 83% das famílias afirmam ter alimentos suficientes

- 42% delas são proprietárias das residências onde moram”

É interessante comparar também o critério usado pelo governo dos EUA e do Brasil para considerar um indivíduo pobre. O primeiro considera extremamente pobre a pessoa que vive com menos de US$ 833,00 (R$ 1.465,00) por mês, ao passo que é considerado pobre aquele cuja renda seja inferior a US$ 1860,00 (R$ 3.276,00) mensais. Já no Brasil, segundo o critério do IBGE, o indivíduo é considerado pobre quando vive com até R$ 134,00 mensais, e extremamente pobre quando vive com menos de US$ 2,00.

Mesmo com a estabilidade econômica alcançada nas últimas décadas, programas de redistribuição de renda e redução do desemprego, o Brasil possui um longo caminho pela frente para se chegar ao nível de desigualdade dos Estados Unidos, sem que o Estado force esse movimento. Vale ressaltar que o custo de vida aqui é mais alto do que nos Estados Unidos. Ou seja, ser pobre lá é muito melhor do que ser pobre no Brasil.

“O discurso de Rousseff nas Nações Unidas inspirou o mundo inteiro contra a espionagem dos EUA. Depois disso, nossa primeira-ministra Merkel e outros líderes nacionais se pronunciaram contra Obama. Pela primeira vez um país de terceiro mundo teve coragem para enfrentar o governo estadunidense”.
O discurso de Dilma nas Nações Unidas, onde ela condena a espionagem do governo norte-americano, foi feito no dia 24 de setembro de 2013. Antes das denúncias sobre espionagem de conversas de Dilma e até de arquivos da Petrobras, a presidente, que tinha um encontro marcado com Obama no dia 23 de outubro, decidiu cancelar o compromisso. A chanceler Angela Merkel, por outro lado, foi informada em novembro que o seu celular fora grampeado pela inteligência do país aliado. Portanto, ambas tomaram suas posições após as denúncias, assim como os demais chefes de estado.

Além disso, inúmeros países de terceiro mundo já tiveram coragem de enfrentar os Estados Unidos. Um ótimo exemplo disso é Cuba, que durante a Crise dos Mísseis se mostrou uma pontuda pedra no sapato do ex-presidente JFK. Outros países como Coréia do Norte, Vietnã, México e etc., não só enfrentaram o governo estadunidense, como entraram em guerra com o mesmo.

“O atual governo de Lula e Rousseff mudou a maneira como o Brasil é administrado. Se antes era um país de terceiro mundo trabalhando para os EUA e o mercado financeiro, hoje trabalha para as pessoas”.
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As reformas sociais do governo Dilma e Lula só foram possíveis devido à estabilização econômica, durante o governo FHC. Além dos mais, como mostra a tabela acima, o lucro do setor financeiro durante a gestão petista foi monstruosamente maior do que na gestão tucana.

Em relação ao fato de o Brasil ter parado de trabalhar para os Estados Unidos, provavelmente o autor quis dizer que durante décadas ficamos a mercê do FMI e de instituições financeiras americanas. Entretanto, as políticas econômicas adotadas durante o governo FHC fizeram com que o país pudesse renegociar a dívida e, posteriormente, ter dinheiro para pagar a dívida externa com os credores internacionais.

“A Alemanha tem corrupção. Na Europa temos corrupção assim como nos EUA e no Brasil e, infelizmente, isso nunca vai mudar, não importa quem esteja no governo. Mas se há um país que enfrentou a crise mundial e melhorou a vida das pessoas como nenhum outro no mundo, esse é o Brasil. E isso deve ser levado em conta”.

Segundo dados da ONG Transparência Internacional, a Alemanha é 12º menos corrupto do mundo, ao passo que o Brasil ocupa a 72º posição. Logo, os danos causados pela corrupção no país europeu são infinitamente menores do que aqui.

A forma como a Alemanha enfrentou a crise mundial foi muito mais eficiente que a do Brasil. Ao passo que no segundo medidas de austeridade, como redução de gastos, foram adotadas, aqui o governo estimulou os gastos das famílias e das empresas, através da redução forçada da SELIC. Atualmente, a Alemanha, mesmo sendo bastante dependente de países que estão se curando dos excessos de gastos do passado, apresenta uma economia saudável, com desemprego baixo e inflação controlada (mesmo tendo sua política monetária controlada pelo BCE).

Conclusão

O nome do economista que escreveu esse manifesto a favor de Dilma é Kurt Neuer. Curiosamente, não existe nenhuma alusão a ele no Google. Contudo, ao entrar nos comentários sobre uma notícia das eleições no Brasil da revista alemã “Der Spiegel”, é possível ver o nome de Neuer. Seu comentário, em alemão, é o mesmo texto publicado pelo site “Plantão Brasil” (que apoia a presidente Dilma).

Portanto, o autor do texto não é um economista, é apenas um simpatizante do atual governo que através de dados distorcidos e equivocados está fazendo muitos internautas acreditarem em mentiras. Tal fato empobrece o debate e faz um trabalho de desinformação. Peço, logo, para que os leitores desse texto compartilhem essa correção.

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